quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O mar e os mineiros

O MAR E OS MINEIROS: A PROVA QUE FALTAVA
Felipe Peixoto Braga Neto
"O mar, meu filho, é uma espécie de saudade..."
Guimarães Rosa

Não haverá estudo decente sobre a alma mineira que exclua o mar. O mar, paradoxalmente, é algo mineiro. É algo que participa da psicologia de Minas. Não, claro, no dia-a-dia dos mineiros. Mas nos desejos distantes traduzidos naquele leve desabafo: "ah, se eu estivesse..."

Achei engraçada uma publicidade que vi tempos atrás: belas fotos de lugares típicos de Belo Horizonte. Só que atrás de todos eles havia, para espanto e prazer, o mar. Foi uma vingança divertida contra a natureza.

O leitor já presenciou um encontro do mineiro com o mar? Eu já. Abandona-se tudo: roupas pelo caminho, carro na calçada, mãe no hospital. Tudo passa, na lógica sedenta de sal, a ser secundário e pouco importante frente às azuis possibilidades marítimas.

O mineiro, conformado porque é o jeito, agora deu para zombar do mar. Li numa camiseta, dia desses, a seguinte frase: "Eu tenho pena do mar porque ele não banha Minas". Eu também tenho. E também achei simpática a brincadeira. É uma forma de dizer: "Tudo bem, você não me quer, mas não sabe o que está perdendo"... Soube depois que a ideia é antiga, lá do século dezenove. Já em 1891, Otávio Ottoni dizia em canção: "O mar suspira porque está longe de Minas". Será? Será Minas, velho mar, a causa dos teus suspiros?

Mas é fato que o mineiro se trai ao falar do mar. Logo ele, tão reservado e contido, se desmancha em excessos, revela saudade. Paulo Mendes Campos diagnosticou: "O mineiro é um marujo ao qual retiraram o mar". Maldade com o marujo mineiro. Mas lhe fez bem. Essa combinação de montanhas fez desse povo uma coisa única, dignamente bela. Talvez por isso o poeta, certa vez, tenha dito: "O mar de Minas não é no mar. / O mar de Minas é no céu, / pro mundo olhar pra cima e navegar / sem nunca ter um porto onde chegar."

Por que falo disso hoje? Por isso...

Eu vi, eu vi no sábado passado, 7 de novembro de 2009. Sabe esses programas de televisão que passam no final de semana e em que a família sorteada ganha casa nova, prêmios incríveis, passa por uma transformação notável? Pois estava lá uma humilde família mineira. A mãe, pedreira, e os cinco filhos. Além de um tio dos meninos.

Resumo do diálogo:
— Vocês ganharam uma casa nova toda mobiliada!
Reação da família: — "Êêê (baixinho).

— Vocês ganharam um carro e duas motos!
Reação da família: — Êêê (baixinho).

— Vocês ganharam uma conta corrente com trinta mil reais.
Reação da família: — Êêê (baixinho).

— Vocês ganharam uma viagem para conhecer o mar!
Reação da família: pulos, gritos, explosão de lágrimas dramáticas e muitos abraços!

Juro que não é piada. Eu minto sim, mas só às vezes.

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3 comentários:

  1. UAU! Estou pegando desde o início este blog e vou ler tudo com calma.

    Cara. Que legal estas citações aqui! Realmente os teus são uns dos mais intelectos posts que tenho lido sobre life on board. Mesmo!
    A parte de programas de TV que usam o clichê dos mineiros que não têm mar foi legal e é REAL mesmo!

    Vendo este teu texto, tão bem escrito, lembro de coisas loucas que vi a bordo e vivia analisando.
    O perfil geral de brasileiros que vão para o navio são de jovens mais "inteligentes", "estudados" (não ricos de grana, mas são pessoas que estudaram bem ou se esforçaram muito para o melhor nível possível), a maioria até com alguma graduação superior! Diferente do restante das bandeiras a bordo. Quase todos sequer escrevem direito, ou falam incorretamente o inglês.

    Porém, por outro lado, estas outras bandeiras (filipinos, indonésios, chineses e etc.) têm quase sempre fluência em inglês e se esforçam bem mais para aprender outros idiomas, como espanhol e italiano (muito diferente da língua asiática) do que nós brasileiros, que temos semelhanças incríveis com o idioma espanhol, italiano e até francês e muitas vezes nada fazemos para ficar craque (a bordo) na língua. Já nós brasileiros, estudamos ANOS e nem sempre nosso inglês não chega com tanta desenvoltura e dinâmica como os das outras nacionalidades a bordo. Sim, falamos o mais corretamente possível, mas não temos a dinâmica de falar com naturalidade que os asiáticos têm (eles praticamente nascem adotando inglês como segunda língua materna). Acho que falei muito e compliquei tudo né??? Espero que nem tanto.

    Mas só quis mostrar que você parece ser mais um brasileiro de boas referências no estudo, leitura e tals, que vai embarcar para fazer o que muitos consideram "rebaixar" para fazer certos trabalhos em navio. Ouvi muito isso, por isso estou falando. MAs estive consciente de tudo, tudo o que encararia. Para mim não foi rebaixamento me ver, jornalista, limpando o chão de um bar, às duas da madruga de um sábado.

    Desculpa se falei demais. Mas é vício de jornalista. Quando gosto de um assunto, gosto de ler e comentar!

    Abração!
    FOCOOO!

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  2. Eli, sem palavras para o que você escreveu... só posso dizer MUITO OBRIGADO!

    Isso que você comentou sobre brasileiro on board ser um pouco mais estudado, creio que seja verdade. Da turma que fez recrutamento comigo, todos tinham nível superior ou algum curso técnico na área de hotelaria, e vários já haviam morado no exterior. Absolutamente nenhum tinha apenas o segundo grau.

    E também concordo com você, não vejo como "rebaixamento" ir para o exterior desempenhar certas atividades. Terei uma oportunidade que pouquíssimos tem, conhecerei gente do mundo inteiro e irei trabalhar em uma empresa cinco estrelas reconhecida internacionalmente - além de treinar o inglês, claro. Isso com certeza vai dar um 'Up' no meu Currículo, então será um investimento e tanto.

    E não escreveu muito não, pode escrever sempre... fico vibrando quando tem comentário novo, rsrsrs...



    Abração e fique com Deus!

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  3. Amigo! Esse negócio de "Up" no currículo é verdade! Fiquei apenas um contrato a bordo e isso me deu muito conhecimento e segurança para enfrentar entrevistas de emprego. Antes eu sempre colocava a experiência no navio na parte de baixo do currículo, daí me aconselharam que destacasse a experiÊncia como outra qualquer. "Quem tem a oportunidade fácil de trabalhar fora, com tantas nacionalidades e por oito meses? Isto é mais que um intercâmbio", me disse uma RH em uma das entrevistas! Se pudesse, eu voltaria para mais um contrato, mas pelo que tenho visto, vou me enraizar por aqui em terra mesmo.
    Abração e respire fundo: tua mega aventura vai começar!

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